Há 26 anos, eu morro todos os dias.

Estava inconsciente e fora de mim, quando me deparei pensando nas mazelas da vida. Indaguei-me se ainda posso me considerar um ser vivo. Por muito pensar sobre isso, talvez  nunca estive no meu juízo perfeito,  e acho que nem sei bem o que é isso, mas sei que prefiro assim.

Ser vivo é um conceito tão simplório, biologicamente falando. Precisamos de um material genético, de uma unidade morfológica e funcional, a célula, e pronto, estamos vivos. É interessante pensar que meu corpo é emprestado. A natureza nos empresta seu carbono, hidrogênio, oxigênio, entre outros elementos, e como pagamento, produzimos cultura, e no fim, nos devolvemos a ela, na forma de compostos carbônicos. Parece um conceito absurdo? Mas não é, conforme o clichê atribuído a Lavoisier:

"Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma."

 Dessa forma, somos somente, e tão somente, parte da própria natureza. Somos ela, constituídos dela e pertencentes à ela.

Contudo, no ponto de visto humano, eu tendo a me perguntar demasiadas vezes: o que é estar vivo?
Drummond, utilizando de sua tradicional ironia, exemplifica, e responde, a minha indagação, de forma genial:

"Não há vivos, há os que morreram e os que esperam a vez."

A verdade, caro leitor, é que eu morro todos os dias. Há 26 anos, estou morrendo. E, infelizmente, ou talvez, felizmente, a morte virá me beijar. Baseado nessa ideia de Drummond, eu penso que viver seja, talvez, uma extensão, finita, da arte de morrer.

Entretanto, a irreversibilidade desse ato, tão amargurado pelos seres vivos desde a antiguidade, nos geraram as mais distintas verdades. Verdades essas, convencionadas pela sociedade em determinados períodos da história, e que se perpetuaram com o tempo. Tais verdades, nos alimentam de dúvidas, e, talvez, essas dúvidas, sejam as únicas que eu não gostaria de saber a resposta. 

Nesse sentido, a grande crueldade que cometo comigo mesmo, é deixar de, puro e simplesmente, viver. Se eu penso demais à respeito do fim da vida, eu deixo a vida, de vivê-la. Eu me auto saboto, eu me auto flagelo. Augusto Cury, célebre psiquiatra e escritor brasileiro, exemplifica a minha preocupação em:

"Todos fecham seus olhos quando morrem, mas nem todos enxergam quando estão vivos."

Por quantas vezes deixei de sair, de me divertir, de sentir o sol, a brisa, a paz de um domingo, pela inconstância do que sinto. Eu criei um mundo cego dentro de mim, e hoje não consigo enxergar a beleza das cores. Por muito, pensei como Humberto Gessinger, ínclito compositor brasileiro:

"Estamos vivos, sem motivos, e que motivos temos para estar?"

Claro que cada um tem a sua verdade, como diria Sócrates, mas gostaria de pedir desculpas à voz do Engenheiros do Hawaii, reconhecido pensador que é, e dizer que não concordo, não mais. E em resposta, cito, novamente, Cury:

"Muitos vivem apenas porque estão vivos. Vivem sem objetivos, sem metas, sem ideais e sem sonhos. Não sabem como lidar com suas fragilidades e lágrimas. Sabem lidar com os aplausos, mas desesperam-se diante das vaias."

Dessa forma, concluo que viver por viver, é como morrer, estando vivo.
Ainda devo aprender a lidar com a vida e a morte, mas ao reconhecer minha fragilidade, sinto que estou no caminho de minha ataraxia.

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