Amandla... Ngawethu! - Um grito de liberdade



Justiça contra a violência.
Esperança contra a resignação.
Liberdade contra a submissão.


É impossível sintetizar feitos tão poderosos com poucas palavras. Mas, as escritas acima, representam de despretensiosa maneira, uma pequena porção de Mandela.

Entretanto, muitas pessoas não têm uma real dimensão sobre suas conquistas, sobre a luta do povo africano, e sobre o que foi o lamentável regime do apartheid.

Inicialmente, o próprio nome apartheid é uma pronúncia de etimologia indu-europeu falada na África do Sul, que significa "separação". A sentença, por si só, já é segregadora. E nesse sentido, os atos realmente o fizeram. Em 1948, a expressão se tornou um regime político, adotado pelo Partido Nacional Sul-Africano. Na prática, a segregação já acontecia desde a colonização britânica e holandesa. Porém, foi no regime totalitário, que a opressão se confundiu com a lei, e a população, de maioria negra, foi oficialmente separada em detrimento dos brancos de origem e descendência europeia.

A prática segregadora, agora elevada a uma condição filosófica, foi embasada em princípios religiosos e sociológicos, de forma bem subjetiva, definida da seguinte forma em um manifesto do Partido Nacional Africano:

"A política da segregação racial se baseia nos princípios cristãos do que é justo e razoável. Seu objetivo é a manutenção e a proteção da população europeia do país como uma raça branca pura e a manutenção e a proteção dos grupos raciais indígenas como comunidades separadas em suas próprias áreas "

No mesmo manifesto, o partido sugere, também, que o regime é um ato de temor contra a extinção dos brancos:

"[...]ou seguimos o curso da igualdade, o que no final significará o suicídio da raça branca"

Para se ter uma dimensão, no período do apartheid, serviços públicos básicos, como saúde, educação, moradia, entre outros serviços essenciais de bem comum, foram nivelados de acordo com tais parâmetros raciais, criando assim, uma sociedade segregada e estamental.

Obviamente, houve resistência negra através do Congresso Nacional Africano (CNA), composto por jovens negros sedentos por justiça, entre eles, Nelson Mandela. Dessa forma, o Partido Nacional tratou de impor sua política segregadora utilizando-se de repressão violenta, gerando assim, anos de Guerra Civil no território Sul-Africano.

É interessante destacar a figura de Albert Lutuli, célebre presidente do CNA naquele período, líder religioso e um dos símbolos africanos da luta pacífica contra o apartheid, que culminou com o prêmio Nobel da Paz em 1960. Contudo, para alguns grupos dentro do CNA, o pacifismo não estava trazendo resultados satisfatórios em relação à força política negra, e é justamente nesse sentido, que surge a alegoria de Mandela.

Mandela, já considerado um famoso advogado e figura na luta pacífica contra o apartheid, adota uma postura mais radical, e funda o grupo armado Umkhonto we Sizwe, em resposta aos massacres ocorridos em manifestações contra o regime, principalmente , ao Massacre de Sharpeville. Mandela passou a entender que o apartheid não poderia mais ser combatido com pacifismo. Dessa forma, viajou para Londres e outros países do continente africano, na busca de apoio internacional e conhecimento em táticas de guerra.

Ao retornar à África do Sul, em 1962, enfim, sua prisão. A princípio, Mandela foi condenado a cinco anos de reclusão por viajar sem passaporte, além da condenação por incentivar as manifestações contra o regime. Entretanto, após seu julgamento, foi novamente condenado, dessa vez, à prisão perpétua, pela acusação de sabotagem contra o governo.

Enquanto esteve na prisão, Mandela se tornou o símbolo da luta da população negra contra a segregação racial do apartheid. Logo, o mundo inteiro tomou a causa, e os gritos de "Libertem Mandela" se confundiam com o próprio clamor pelo fim do regime.

Durante boa parte dos 27 anos em que esteve preso, Mandela encontrava na leitura a força necessária para não sucumbir. Nesse sentido, um poema chamava sua atenção, e o inspirava a manter a luta. Esse poema se chama Invictus, escrito pelo escritor britânico Willian Ernest Henley, cujo texto, já traduzido, segue:

INVICTO

William Ernest Henley

Da noite escura que me cobre,
Como uma cova de lado a lado,
Agradeço a todos os deuses
A minha alma invencível.

Nas garras ardis das circunstâncias,
Não titubeei e sequer chorei.
Sob os golpes do infortúnio
Minha cabeça sangra, ainda erguida.

Além deste vale de ira e lágrimas,
Assoma-se o horror das sombras,
E apesar dos anos ameaçadores,
Encontram-me sempre destemido.

Não importa quão estreita a passagem,
Quantas punições ainda sofrerei,
Sou o senhor do meu destino,
E o condutor da minha alma.


A força de Mandela foi tamanha, que em 1985 o então presidente da África do Sul, Pieter Willem Botha, lhe oferece a liberdade, condicionada, entretanto, à renúncia da Luta armada como meio de alcançar objetivos políticos. Não obstante, Mandela rejeita à proposta de liberdade através de uma carta que sua filha, Zindzi Mandela, leu em um manifesto:

“Só homens livres podem negociar. Prisioneiros não podem firmar acordos. Não posso e não vou firmar qualquer compromisso enquanto eu e você, o povo... não estivermos livres. A minha liberdade é a liberdade de meu povo não podem ser separadas. Eu vou voltar... amandla!"

Devido a inacabável guerra civil, enfrentando grupos cada vez mais radicais, e a grande pressão internacional através de sansões econômicas, o governo decide, em 1986, iniciar as negociações para que Mandela fosse liberto. Contudo, não foi uma negociação rápida. Mandela se reuniu 46 vezes em quatro anos com representantes do governo, entre eles, o próprio presidente Botha. O governo conservador do apartheid temia Mandela. Temiam que Mandela fosse o mesmo radical dos anos 60.

Todavia, as negociações só foram adiantes quando Botha deixa o poder devido a problemas de saúde, e é substituído por Frederik de Klerk. Finalmente, em 1990, de Klerk, após encontro com Mandela, vai ao Parlamento Sul Africano, e declara o fim da política do apartheid:

"A proibição do Congresso Nacional Africano, do Congresso Panafricano, do Partido Comunista Sulafricano e de organizações secundárias, estão canceladas. As pessoas que foram presas, simplesmente por fazerem parte dessas organizações, ou por terem cometidos qualquer crime, crime resultado de proibições dessas organizações, serão identificadas e libertadas."

Em nove dias, Mandela foi, finalmente, libertado, após 27 anos de prisão. Em seu discurso, proferiu o popular grito de guerra "Amandla!", símbolo da resistência contra o apartheid, onde o povo responde: "Ngawethu!", formando uma expressão que pode ser entendida como "poder, para o povo".


Bom, a partir daí, Mandela ganha o Nobel da Paz, juntamente com de Klerk, em 1993. E se torna presidente da África do Sul em 1994.

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